Bett Brasil: educação socioemocional tem papel transformador desde a infância

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Desde a infância, a escritora Raquel Alves foi preparada para “querer a vida”. Filha do escritor Rubem Alves (1933-2014), ela contou, em painel nesta terça-feira (29), durante a Bett Brasil, evento de inovação e tecnologia realizado no Expo Center Norte, em São Paulo (SP), que, desde cedo, foi ensinada pelos pais que iria enfrentar dificuldades, cirurgias, o olhar das crianças na escola e que deveria lutar e ter resiliência.
“Ele foi um homem precursor do pensamento socioemocional. E ele entendeu naquela época que eu teria dificuldades e que teria que lutar. Mas só lutamos por aquilo que queremos. A gente não deseja uma coisa que a gente não conhece. Então ele decidiu que enquanto pai, no papel de pai, a parceria dele na minha luta seria me apresentar a beleza da vida”, disse durante palestra para um público formado por gestores e professores.
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De acordo com o Centro de Desenvolvimento Infantil, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, é nos primeiros anos de vida que mais de um milhão de conexões neuronais se estabelecem. Além da plasticidade cerebral, é nessa fase da vida que as habilidades cognitivas e socioemocionais se formam. Competências como o pensamento crítico, a comunicação e a colaboração começam a se formar nesse período, e a escola tem um papel importante e intencional para desenvolvê-las.
Socioemocional no currículo escolar
Já presentes há algum tempo nas conversas em sala de aula, as competências socioemocionais ganharam mais destaque nos últimos anos, impulsionadas por cenários complexos envolvendo a saúde mental, como o período da pandemia de Covid-19, que foi acompanhado por vício em telas e frequentes problemas de relacionamento interpessoal nas escolas.
Quando a gente era criança, aprendia essas questões de forma não intencional. Não tinha uma preocupação real de que uma criança tem que se conhecer, entender suas fortalezas, talentos e habilidades
Carolina Costa Cavalcanti, consultora educacional e autora da série de livros didáticos “Entre Mundos”, da Saber Educação, que tem foco em educação socioemocional, teve uma experiência de infância diferente da vivida por Raquel. “Quando a gente era criança, aprendia essas questões de forma não intencional. Não tinha uma preocupação real de que uma criança tem que se conhecer, entender suas fortalezas, talentos e habilidades”, conta.
Em parceria com Hanna Cebel Danza, formadora de professores e pesquisadora, ela desenvolveu livros didáticos indicados para educação infantil e ensino fundamental, com atividades mão na massa e conteúdo lúdico. No programa, são estimulados o desenvolvimento de habilidades como autoconhecimento, autogestão, consciência social, tomada de decisão e habilidades de relacionamento.
Trabalhar com o tema, contudo, demanda preparação. Carolina ressalta que aprendizagem socioemocional não consiste em transformar a aula em uma sessão de terapia, mas compreender os cenários e estar preparado para olhar para as emoções com um olhar atento. Para além disso, prever atividades socioemocionais no currículo, seja em um componente específico ou em atividades diluídas em outros componentes curriculares, é essencial. Hanna analisa, contudo, que o ideal é que esse momento fique especificado.
“Às vezes pensamos que, ao fazer um trabalho em grupo, por exemplo, a gente vai estar trabalhando questões de socialização, de liderança, de empatia, mas não necessariamente. Na verdade, o que a gente vê, de forma geral, é o contrário”, diz Hanna. “Acaba sendo um trabalho improdutivo para o desenvolvimento das competências socioemocionais: os conflitos aparecem, não são resolvidos, não são bem encaminhados… A gente precisa ter um currículo que permita que, mesmo nas aulas dos outros componentes, existam habilidades socioemocionais específicas para serem desenvolvidas”, pontua.
Socioemocional do educador
Para além de considerar o desenvolvimento socioemocional dos estudantes como forma de apoiá-los na superação de desafios pessoais e acadêmicos, educadores também enfrentam questões específicas da profissão que impactam diretamente sua saúde mental. É comum que a rotina escolar esteja associada ao estresse.
E essa associação não ocorre por acaso. Ambientes físicos inadequados, como salas de aula superlotadas e com iluminação insuficiente, intensificam o estresse tanto de alunos quanto de professores, ao comprometerem o bem-estar físico e dificultarem a concentração. Somam-se a esses fatores as relações interpessoais conflituosas, como desentendimentos entre estudantes, casos de bullying e um modelo de ensino rígido, que podem gerar sentimentos de insegurança, isolamento e medo de errar.
Questões ligadas à gestão escolar, como mudanças frequentes na rotina sem comunicação prévia e a escassez de recursos didáticos ou de suporte institucional, também desestabilizam o cotidiano da escola, dificultando que equipes docentes planejem e executem suas atividades de forma consistente.

Soma-se a isso a pressão por resultados, intensificada por cobranças por notas, rankings e expectativas familiares, o que estimula a competitividade e aumenta a ansiedade. A falta de tempo para descanso, mesmo após longas jornadas e deslocamentos, agrava o desgaste físico e emocional. Além disso, problemas pessoais, como conflitos familiares, instabilidade socioeconômica e transtornos mentais não acompanhados revelam as múltiplas dimensões do estresse e impactam diretamente o rendimento acadêmico e o clima escolar.
Em palestra realizada no Fórum de Gestores, Daniela Degani, fundadora da MindKids, mostrou como o estresse está presente no dia a dia escolar, seja pelo lado de estudantes ou de educadores, e como é possível combatê-lo cuidando da saúde mental.
Quando o estresse ultrapassa um nível saudável, explicou Daniela, ele compromete funções cognitivas importantes, como a concentração, o discernimento e a capacidade de diálogo. Nessa condição, ativa-se o sistema límbico, especialmente a amígdala, o que reduz a atuação da região cerebral conhecida como córtex pré-frontal. Com isso, torna-se mais difícil adotar respostas ponderadas e equilibradas diante das situações do cotidiano.
Daniela fez uma série de analogias relacionadas ao dia a dia escolar. O estresse é comparado a um cupim: é invisível e infesta tudo ao redor, contagiando as pessoas e minando a capacidade de se relacionar de forma produtiva. A escola é vista como um “banquete para o estresse”, afetando corpo docente, alunos, famílias e colaboradores. A mente, assim como um barco à deriva, está muitas vezes à mercê dos acontecimentos externos, sendo difícil controlá-la.
Recorrer ao celular, às redes sociais ou a notícias pode parecer um descanso, mas, na verdade, essas informações acabam sobrecarregando ainda mais o cérebro
Nestas situações, a especialista em mindfulness (termo em inglês que pode ser traduzido como atenção plena) recomenda uma “pausa” consciente. “Fazer pausas ao longo do dia é fundamental, inclusive durante as aulas. No entanto, não se trata de qualquer tipo de pausa. Muitas vezes interrompemos uma atividade, mas como utilizamos esse tempo? Recorrer ao celular, às redes sociais ou a notícias pode parecer um descanso, mas, na verdade, essas informações acabam sobrecarregando ainda mais o cérebro”.
Em outras situações, afirma, a pausa se dá por meio de hábitos que apenas marcam a transição de uma tarefa para outra, como fumar ou buscar distrações automáticas. “Essas interrupções vazias não promovem descanso de fato. São formas de fuga. O que se propõe aqui é uma pausa consciente: um tempo para cuidar de si, desacelerar e restaurar o equilíbrio emocional”. Neste sentido, ela propõe uma pausa consciente para cuidar, como fazer três respirações conscientes entre atividades. Dois minutos de pausa antes de uma reunião pedagógica, por exemplo, podem tornar o tempo muito mais produtivo.
Afetividade como base para a aprendizagem

Ao retomar o que une uma relação positivas entre educadores e estudantes, Daniela retomou o conceito de afetividade. “Em ambientes sem afeto, onde o aluno se sente ameaçado ou não pertencente, a aprendizagem não acontece porque o sistema límbico está ativado e o córtex pré-frontal não está disponível”, disse. Ela trouxe como referência o TED da educadora Rita Pierson, “Children don’t learn from people they don’t like” (crianças não aprendem de quem elas não gostam), para justificar também que gentileza e ternura são treináveis em qualquer idade e podem melhorar o bem-estar emocional, a saúde e os resultados acadêmicos.
“Escolas com clima negativo sofrem com a rematrícula. Calma e atenção são a base; sem elas, qualquer outra iniciativa (como robótica ou bilinguismo) não será aproveitada pelos alunos”, disse.
Essa mesma ideia do afeto esteve presente ao longo da fala de Raquel Alves, que considera a literatura para crianças como importante por conectar profundamente com a construção humana, desenvolvendo criatividade, imaginação, segurança e a capacidade de pensar e sentir.
Em contraste com as telas, que são hiperestimulantes e desencorajam o pensamento profundo e a concentração, os livros exigem atenção do começo ao fim. “Essa tecnologia do livro é o que acontece dentro de quem lê. Desenvolver essa qualidade de pensamento e sentimento é o bem mais precioso do ser humano”, afirmou.
O ato de ler para uma criança é um momento em que o adulto está “inteirinho ali para você”, sem distrações como o celular. Essa presença total, sem dizer, comunica que a criança é uma prioridade, o que nutre a segurança emocional. Essa certeza do amor e da presença do adulto dá segurança para enfrentar desafios na vida. Crianças anseiam pela certeza de que são amadas e não um incômodo.
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