Quer uma gestão escolar inovadora? Aposte na comunidade e na inclusão

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Imagine uma escola que não fecha seus portões. Nela, alunos e familiares circulam entre hortas, oficinas e brechós, além de participar de atividades mão na massa voltadas à melhoria do entorno, como a construção de uma cisterna para a captação de água da chuva. Esta é a realidade do CIEP (Centro Integrado de Educação Pública) 483 Ada Bogato, localizado em Paraíso de Cima, comunidade periférica de Barra Mansa (RJ).
O segredo? Uma gestão que aposta na colaboração comunitária e no STEAM (acrônimo que representa as áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia, Arte e Matemática) para promover uma aprendizagem alinhada aos desafios contemporâneos.
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O assunto foi um dos destaques do terceiro dia da Bett Brasil, evento de tecnologia e inovação educacional que acontece em São Paulo (SP) até esta quinta-feira, 1º de maio, cuja cobertura você vem acompanhando aqui no Porvir.
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Nesta quarta-feira (30), participaram do painel expositivo “Educação STEAM: caminhos para a gestão escolar” a assessora de educação da prefeitura de Barra Mansa, Angela da Costa Soares, e a pesquisadora Lilian Bacich, diretora da Tríade Educacional e referência em metodologias ativas, ensino híbrido e STEAM do país.
Como levar o STEAM para a gestão?
Mais do que trabalhar conteúdos isolados, o foco do STEAM (abordagem surgida nos anos 1980 nos Estados Unidos como parte de estratégias para políticas públicas) está nos processos investigativos e na conexão com a realidade dos alunos. É uma maneira de unir teoria e prática por meio de atividades diversas.
“A abordagem STEAM na gestão escolar torna a escola viva. Torna o espaço mais real e significativo”, afirma Angela, que foi diretora do CIEP Ada Bogato entre 2022 e 2025. “O STEAM faz a gente pensar: o que eu preciso aqui? E as respostas vêm com projetos reais”, explica, ao destacar que a escola passou a adotar a pedagogia de projetos como prática central.

Entre as atividades de destaque ali criadas estão desde soluções simples, como um vaso autoirrigável, ligado às aulas de letramento matemático e ambiental, ao Breshopping, ação na qual roupas são recolhidas e trocadas por uma moeda criada pelos alunos.
A moeda social é chamada de Brizolão – em referência ao apelido da escola, comum a todos os CIEPs – , remete ao modelo educacional idealizado pelo antropólogo e educador Darcy Ribeiro (1922-1997) e implementado pelo governo de Leonel Brizola no estado do Rio de Janeiro nos anos 1990, integrando educação formal, cultura e esporte.
Soluções sustentáveis e comunitárias
O CIEP Ada Bogato é uma das três escolas vocacionadas da cidade de Barra Mansa. O foco está no conteúdo voltado aos ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável) e abordagem STEAM, adotada também pelo PPP (Projeto Político-Pedagógico) de toda a rede local.
Um exemplo marcante deste modelo de gestão democrática, conta Angela, é a transformação de terreno coberto por mato, em frente à escola, em um grande parque educativo e comunitário. A iniciativa, liderada por uma professora de agroecologia, foi reconhecida em 2022 pelo prêmio “Nestlé por Crianças Mais Saudáveis”, em parceria com o Instituto Crescer.
No mesmo local revitalizado, a escola passou a desenvolver o projeto “Estações da Saúde”, também premiado pelas mesmas instituições. Nele, as crianças exploram a biodiversidade da mata recuperada, participam de aulas abertas sobre alimentação saudável e encerram o percurso na horta escolar, mantida com apoio da comunidade.
Não é sobre fazer um mural sobre o meio ambiente. É estar em ação para mudar o local em que estamos
“Os projetos resolveram questões concretas da escola e mostraram que é possível criar soluções com significado pedagógico e impacto direto no cotidiano dos estudantes e da comunidade”, ressalta Angela. “Não é sobre fazer um mural sobre o meio ambiente. É estar em ação para mudar o local em que estamos”, resume a ex-gestora da unidade.
O reconhecimento fez com que Angela fosse convidada a assumir um novo desafio: integrar a gestão pública municipal onde hoje apoia a replicação de boas práticas em parceria com a Fundação ArcelorMittal no programa Liga Steam para a formação dos professores da cidade.
Gestão democrática
O CIEP Ada Bogato mostra como um currículo e uma gestão alinhadas com os desafios do presente transforma o movimento da escola. “As ações também buscam preparar os alunos para lidar com impactos das mudanças climáticas, que afetam de forma mais severa as comunidades periféricas. Além disso, a horta escolar ajuda na segurança alimentar, pois os estudantes levam alimentos para casa”, complementa.
As portas abertas e o incentivo à aprendizagem ativa e mão na massa fazem da comunidade parte do sistema educativo. “Se qualquer vizinho quiser vir cuidar da horta, ele pode. A escola é dele também”, reforça Angela.
Segundo Lilian Bacich, autora dos livros “Ensino Híbrido” e “STEAM em Sala de Aula”, a força do STEAM está em seu caráter integrador. Para ela, a proposta é integrar conhecimentos, promover investigações, desenvolver soluções sustentáveis e conectar o aprendizado à realidade local das crianças e adolescentes.
Cabe, porém, à direção da escola garantir condições para que a abordagem STEAM aconteça de forma efetiva. “STEAM não é sobre conteúdo, é para além disso”. Por isso, a gestão precisa assegurar três pilares:
- Equipe docente bem formada e com autonomia em seus projetos;
- Ambientes que favoreçam colaboração e prototipação;
- Conexões com o currículo, o território e parceiros locais.
Dados do Programa de Educação STEAM 2022, desenvolvido com 1.000 respondentes em 12 municípios brasileiros, mostram que apenas 29% das escolas aplicam a abordagem efetivamente. O maior desafio é a mudança cultural e estrutural necessária para criar ambientes inovadores, algo que depende, como destacam Lilian e Angela, de lideranças comprometidas.
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Agenda coletiva
Diretores são um público-chave da Bett Brasil, que destaca espaços para atualização sobre as principais tendências educacionais. Afinal, como comprova recente levantamento da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), diretores escolares são mais do que administradores: são responsáveis por guiar as escolas rumo à transformação educacional.
“Você é gestor pelo cargo que ocupa, mas só se torna líder quando tem uma postura que favorece a liderança coletiva”, define Angela.
A afirmação é validada por quem vai à feira para assistir aos debates, como é o caso de Maria de Nazaré dos Santos Dias, professora da UEB (Unidade de Educação Básica) Abdala Buzar Neto em Itapecuru-Mirim (MA).
Com 31 anos de carreira na educação, incluindo 17 na gestão escolar, Maria de Nazaré retornou à sala de aula para lecionar no 3º ano do ensino fundamental. “Engajar toda a equipe escolar para garantir a aprendizagem foi o maior desafio da minha gestão. Hoje, com essa experiência, tenho um olhar mais qualificado para o trabalho em sala de aula. Acredito profundamente na formação continuada como base para fundamentar nossas práticas pedagógicas”, afirma.
Em sua jornada pela Bett Brasil, Maria de Nazaré anotou atentamente as orientações de um outro painel expositivo nesta quarta-feira (30), intitulado “Como enfrentar os desafios educacionais modernos através da gestão transformadora”. A diretora de operações e inovação da Sincroniza Educação, Ana Paula Manzalli, e a professora da ESALQ (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), da USP (Universidade de São Paulo), Rosebelly Nunes, debateram a atuação das lideranças das escolas públicas, com foco em equidade, inclusão, uso de tecnologias e motivação de equipes.
Maria de Nazaré estava na plateia em busca de respostas. Ao final, levantou a mão para perguntar às palestrantes suas principais recomendações sobre a gestão de pessoas.
A gestão precisa ser inovadora, mas acima de tudo, humana. E para isso, ninguém faz nada sozinho
“A gestão precisa ser inovadora, mas acima de tudo, humana. E para isso, ninguém faz nada sozinho: é preciso ter uma equipe”, defende Rosebelly. Ela também é uma das responsáveis pelo curso de MBA em Gestão Escolar oferecido pela universidade. “Ser gestor é ser um mediador de conflitos, é apagar incêndios, às vezes literalmente, e ainda manter o vínculo e o respeito com todos. Gestão é humanizar o conhecimento e a educação.”

Para Ana Paula, a motivação intrínseca está alicerçada em quatro pilares — pertencimento, autonomia, competência e significado — e é fundamental que as lideranças reflitam se seus times compreendem esses fatores e como eles influenciam no engajamento dentro da escola. Os conceitos estão presentes no livro “Diferenciação pedagógica na prática: rotinas para engajar todos os alunos”, de Rhonda Bondie e Akane Zusho, traduzido por Ana e Luís Dorvillé.
Já Rosemary reforçou que a motivação também nasce do vínculo e das relações dialógicas, defendendo que o gestor pode ser responsável por despertar no outro o propósito de educar. “Nem sempre a motivação vem da pessoa; às vezes, precisa vir do gestor, que abre caminhos, como dizia Paulo Freire, para seguir possibilidades.”
Ultrapassando barreiras
Atualmente, Maria de Nazaré enfrenta um desafio comum a muitas escolas: a alfabetização. Em sua turma do 3º ano dos anos iniciais, das 28 crianças, apenas 12 dominam a leitura e a escrita.
Esse cenário é reflexo das dificuldades que ainda afetam a educação básica no Brasil, como mostram os dados mais recentes do MEC (Ministério da Educação). De acordo com os primeiros resultados do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, lançado em julho de 2024, 56% das crianças que estudam em escolas da rede pública foram alfabetizadas na idade certa em 2023. Embora o número represente um avanço, o ministro da Educação, Camilo Santana, enfatizou que o país ainda tem um longo caminho a percorrer.
As preocupações em relação ao desenvolvimento da leitura também estão na agenda da direção da escola de Maria Nazaré. Um caminho para lidar com a questão, de acordo com Renata Rossi, gerente acadêmica e de serviços educacionais da Saber Educação, é a oferta de materiais didáticos adequados para essa tarefa. “O gestor precisa estar atento a essa oferta. É preciso garantir acervos literários, tanto na sala de aula quanto em bibliotecas, para que os estudantes tenham o repertório necessário para o desenvolvimento da leitura”, destaca Renata.
Tecnologia e fluência leitora |
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Em seu estande na Bett Brasil, a Saber apresenta a solução Sab.IA, plataforma em fase prova de conceito voltada à fluência leitora na fase de alfabetização das crianças. Os participantes poderão acessá-lo para entender suas funcionalidades e resultados. Confira nesta matéria |
Consciente dessa necessidade, Maria busca informações e recursos para promover o aprendizado de todos os seus alunos. Nesse sentido, Renata reforça a importância de garantir que o processo de leitura e escrita seja trabalhado de forma completa e interativa. “Na alfabetização, precisamos garantir que haja leitura pelo professor, leitura pelo estudante, escrita pelo professor e escrita pelo estudante. São quatro situações didáticas fundamentais que precisam estar presentes”, afirmou.
O site e-docente, vinculado à Saber Educação, oferece uma série de materiais digitais gratuitos voltados para professores e gestores. Uma das publicações é o Caderno Pedagógico anual, que reúne sequências de pautas formativas para que professores (e também gestores e demais interessados em educação) possam realizar seus temas centrais de trabalho de maneira mais significativa, estimulando a reflexão. A edição de 2022, inclusive, foi focada em alfabetização. O próximo caderno, a ser lançado em setembro, abordará inteligência artificial na educação.
“Vamos explicar o que é a inteligência artificial de forma clara, sem sensacionalismos, e apresentar como ela pode ser aplicada no contexto educacional”, adiantou. Ela acredita que o material será uma importante ferramenta para que a comunidade escolar entenda e aplique a tecnologia de forma crítica e eficaz.
Em relação à inteligência artificial, Renata foi clara ao afirmar que a tecnologia não deve ser vista como uma ameaça, mas como uma ferramenta a ser utilizada de forma crítica e estratégica. “Não podemos ter medo da inteligência artificial. Nosso trabalho está garantido se soubermos utilizá-la a favor da educação”, diz
Para ela, a IA pode apoiar diversos aspectos da gestão escolar, desde a parte administrativa até a pedagógica. “Ela pode ser um grande aliado na organização e na melhoria do ensino. Precisamos entender que ela não é um substituto, mas uma ferramenta que deve ser integrada ao processo educacional”, destacou.
Renata também enfatizou a necessidade de que os gestores educacionais se mantenham atualizados em relação às novas tecnologias e metodologias. “O gestor precisa estudar e estar bem informado, não pode se basear em notícias sensacionalistas. É importante separar um tempo em sua agenda para se aprofundar nos temas mais relevantes da educação.” afirmou. Ela acrescentou que as secretarias de educação e os coordenadores pedagógicos devem apoiar essa formação contínua, com materiais e recursos acessíveis para todos os profissionais da educação.
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